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Suposto esquema de narcotráfico teria

Denúncias e troca de acusações implicam a administração do sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul com suposto esquema de corrupção e ligam servidores públicos a facções criminosas, tráfico de drogas e briga pelo controle de unidades prisionais. No último mês, a Operação Xadrez colocou diretores de dois presídios em Corumbá atrás das grades.

E o mesmo modelo do suposto esquema criminoso estaria supostamente funcionando no Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho, o Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande. Detentos, servidores e policiais apontam suposta briga por poder dentro da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul), além da movimentação de facções criminosas como estopins para o vazamento das denúncias.

Segundo apurado pela reportagem, as informações sobre os supostos esquemas de tráfico de drogas e corrupção já estão com as autoridades estaduais há pelo menos um ano. Fontes ligadas à Segurança Pública do Estado confirmam que o envolvimento de servidores estaduais com traficantes levou à abertura de investigação por uma delegacia especializada da Capital.

Na 50ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, a informação é de que uma Notícia de Fato referente à denúncia foi encaminhada ao Procurador-Geral de Justiça, Paulo Cezar dos Passos, em 30 de março do ano passado. A Operação Xadrez, no entanto, se limitou a Corumbá, na fronteira do Brasil com a Bolívia.

A crise na Agepen levou ao pedido de demissão, na última terça-feira (31), de Ailton Stropa. Ele havia sido nomeado pelo governador Reinaldo Azambuja em abril de 2015, e saiu dizendo que não foi derrubado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital), conforme especulações. Stropa disse que deixou o cargo para aguardar as investigações.

Cantina do tráfico

Segundo informações de servidores ligados a setores administrativos da Agepen, há tempos o órgão estadual teria conhecimento sobre suposto esquema de narcotráfico funcionando na Máxima. No local, não faltaria maconha para os detentos usuários, que pagariam R$ 6 por grama. Dados oficiais de julho apontam que havia 2.398 presos na unidade, com capacidade oficial para 642 detentos.

Mesmo os presos viciados com menos poder aquisitivo, gastariam pelo menos R$ 12 por dia com a compra. Todo esse público consumidor seria explorado por um sistema de vendas que funcionaria em plena cantina do presídio.

Informações obtidas com exclusividade pelo Midiamax, um quilo de maconha, que custaria cerca de R$ 450 nas ruas da Capital, chegariam no presídio com valor inflacionado de R$ 800 a R$ 1 mil. A alta margem de lucro é que teria chamado a atenção até de servidores com salários razoáveis para colaborar com o esquema.

A droga chegaria ao estabelecimento penal com anuência da direção, em meio às compras feitas para a cantina, nas caixas de leite, pacotes de bolacha, entre outros produtos. Batidas nas celas de unidades prisionais de Mato Grosso do Sul que vazam para a imprensa, realizadas com apoio policial, sempre flagram porções de maconha e celulares.

|Isso não é de hoje. A gente entra, acha o bagulho e sabe que não tem como entrar sem ajuda de gente de dentro, mas nunca vi uma investigação ir pra frente a fundo. É lógico que dá para pegar e derrubar o esquema se houver vontade, mas isso já não seria da alçada da Polícia Militar, por exemplo|, diz policial aposentado que chegou a participar de batidas.

O esquema teria potencial para lucrar R$ 700 mil mensais, segundo detento da Máxima que aceitou conversar com o Midiamax e afirma que o controle do negócio teria sido tomado de uma facção criminosa, supostamente por grupo que envolve servidores públicos estaduais e presos de outros grupos.

“Quem tenta atrapalhar é transferido do presídio, na maioria das vezes para Dourados”, afirmou.

Os ‘chefes’

De acordo com a denúncia, participariam do esquema de venda da droga no presídio desde traficantes com várias passagens pela polícia até servidores da Agepen. Até mesmo o diretor, João Bosco Correa, é apontado como envolvido, que supostamente teria conhecimento de tudo. Por telefone, ele negou conhecimento de qualquer esquema de narcotráfico no local que dirige.

Sobre as compras na cantina, disse que são feitas aos poucos. É trabalho de formiguinha, parafraseia. Segundo ele, tudo que é ofertado aos presos é inspecionado por sistema de radiografia e as compras seriam coordenadas por uma comissão formada por cinco servidores, que têm os nomes mantidos em sigilo.

|Sempre respondo denúncias. Possivelmente vocês receberam a denúncia de algum preso que está aproveitando do momento para desestabilizar o sistema do presídio|, analisa o diretor. Sobre os constantes flagrantes de maconha nas celas da unidade, Bosco garante que o meio mais utilizado pelos traficantes seria o arremesso pela muralha, que é cercada por guaritas.

|Constantemente, todos os servidores, antes de abrir o pavilhão, dão uma volta e sempre conseguem pegar as coisas que eles [os presos]  ainda não conseguiram pegar|, explica. Ainda de acordo com Bosco, os lançamentos seriam feitos de forma que os detentos, mesmo de dentro das celas, conseguiriam resgatar os pacotes.

Ele, no entanto, indica que coibir a prática seria difícil. De acordo com o diretor, a falta de efetivo entre os agentes penitenciários dificultaria a guarda da prática. |Muitas vezes só vamos encontrar no outro dia o que arremessam durante a noite|, diz.

Presos importantes

Integrariam a equipe detentos já conhecidos das autoridades policiais sul-mato-grossenses, como ‘Pirata’, ‘Edinho Bundudo’, ‘Tatinha’, e ‘Pé na Cova’. A reportagem verificou que todos são apelidos usados por detentos da Máxima e confirmou com presos da unidade que eles são apontados entre os colegas como importantes por terem boa relação com os agentes penitenciários e cargos de maior importância no esquema de tráfico.

Para se tornar importante, um preso teria duas alternativas: pagar propinas diretas para obter vantagens, impedir transferências, ou ajudar em esquemas que renderiam dinheiro para o suposto grupo.

Apontado como preso com acesso direto à direção da Máxima, ‘Edinho Bundudo’ seria o responsável pela cantina do presídio e, conforme a denúncia, foi retirado do cargo de ‘cantineiro’ imediatamente após a operação do Gaeco em Corumbá.

Enquanto preso na Máxima, Tatinha era quem ajudava ‘Edinho Bundudo’ a tomar conta das vendas. Em cada compra feita pelo suposto grupo, a dupla pagava à vista o valor dos produtos somado ao da propina, que poderia ultrapassar R$ 40 mil, e repassava a diferença aos presos para obterem lucro.

Mas, em abril de 2016 Tatinha regrediu de regime e foi para o semiaberto, para cumprir pena no Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, onde agora comandaria o esquema de tráfico de drogas. Na Máxima, o barão do tráfico seria ‘Pirata’. Ele é apontado como o atual é o responsável por distribuir a droga aos líderes dos pavilhões, onde as porções são revendida para os internos nas celas.

Prisão em Corumbá

No dia 23 de janeiro, Ricardo Wagner Lima do Nascimento e Douglas Novaes Vilas, diretores dos presídios de regime fechado e semiaberto de Corumbá foram presos. Conforme o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), eles ocupavam os cargos há dois anos e facilitavam a entrada de drogas e dinheiro nos estabelecimentos penais.

Pedro Antunes Chalega foi apontado pelo MPE (Ministério Público Estadual) como o ‘cabeça’ do esquema de tráfico no presídio, que com ajuda dos diretores comandava a venda de entorpecentes aos internos. O comércio era feito pela cantina, onde foram apreendidos R$ 17 mil. Conforme apurado pelo Midiamax, Chalega foi transferido para o Presídio de Segurança Máxima, na Capital, onde, conforme a denúncia, esquema semelhante favorece um grupo de presos e também o diretor do presídio, João Bosco Correa.

Velhos conhecidos

Os três líderes do esquema na Capital, conforme apurado pela reportagem, são amigos de longa data. Todos foram presos no mesmo ano, 2010, em uma operação da Denar (Delegacia Especializada de Repressão ao Narcotráfico) que desarticulou o esquema de tráfico de drogas comandado de dentro do presídio por Pirata.

Denominada Tic-Tac, a ação policial prendeu mais de 20 pessoas, que envolvia até uma empresa de viagens para o transporte de cocaína. A droga saia em ônibus de Ponta Porã para a Capital, e aqui, era distribuída. Cargas de cocaína chegavam a ser enviadas para o nordeste a mando do interno. Foi nesta operação, que a policia descobriu ligações em que Pirata exibia um arsenal de armas, com fuzis e até granadas.

Diante disso, o juiz determinou que ele fosse transferido para um Presídio Federal, onde permaneceu por um ano, até ser novamente encaminhado para a Máxima de Campo Grande. Edinho Bundudo  também foi ligado ao tráfico de drogas enquanto preso. Em setembro de 2015 ele foi responsabilizado pela Denar por um esquema de entrega de drogas na unidade prisional.

Todo o esquema dentro da Máxima seria supervisionado de perto por soldados, e as informações repassadas para a cúpula. O homem de confiança para isso seria ‘Pé na Cova, apontado pela justiça por ser o administrador de caixa do PCC (Primeiro Comando da Capital). O interno já teve passagem pela Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná, mas voltou transferido para Dourados. Foi solto, preso novamente por tráfico, evadiu do sistema prisional e caiu em 2015 pelo mesmo crime, desta vez já na Capital.

A Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul) a reportagem foi informada de que seria feita a verificação sobre qualquer investigação envolvendo tráfico de drogas dentro da unidade e que o órgão só se manifestaria após conhecer o teor das informações.

A Agência ainda confirmou a informação do diretor Bosco, de que todos os produtos vendidos na cantina passam por um aparelho de raio X na portaria do presídio, o que só possibilitaria o esquema denunciado com a anuência de servidores.

Midiamax